Legado e desenvolvimento sustentável em debate no Cine Henfil

Legado e desenvolvimento sustentável em debate no Cine Henfil

O legado da cidade para um desenvolvimento econômico e social sustentável foi tema do segundo painel   do seminário sobre economia circular, realizado pelo jornal O Globo, em parceria com a Prefeitura de Maricá, nesta quinta-feira (14/07), no Cine Henfil, no Centro.

Na abertura do seminário, o prefeito Fabiano Horta destacou a oportunidade de enriquecer o debate de ideias e a capacidade de reflexão sobre os desafios de construir um Brasil que carrega a desigualdade social como uma variável de sua natureza histórica. “Olhar para a experiência das cidades é um ponto de partida para que possamos construir soluções que se repliquem e, a partir de seu êxito, possam exemplificar essa nova dinâmica na sociedade brasileira”, afirmou.

De acordo com Horta, Maricá apresenta uma visão de economia circular – que ele definiu como estratégia de desenvolvimento econômico atrelado à justiça social – apoiada num tripé: inclusão dos mais vulneráveis no orçamento público por escolha política, com transferência de renda direta e o engajamento dessas pessoas na economia local pela moeda Mumbuca; a garantia do direito à inclusão social, através da experiência pioneira de criar um sistema de transporte público com tarifa zero; e a perspectiva temporal do ciclo de abundância trazida pelos royalties do petróleo.

“É uma constatação real na nossa experiência: a tarifa zero no transporte público municipal deu acesso aos serviços públicos para os mais vulneráveis. Havia gente que não tinha condição de manter uma rotina de consultas médicas, por exemplo. A partir dessa política pública, a sociedade como um todo ganhou em bem-estar”, disse o prefeito, destancando  a moeda Mumbuca como meio de incentivo ao crédito, que dinamiza a produção local, ao incorporar trabalhadores informais à economia e garantir a eles o direito ao isolamento social exigido pela pandemia de covid-19.

De “cidade-dormitório” à terceira melhor geradora de empregos formais do Brasil

O segundo painel do dia: “De Maricá para o Brasil: o legado da cidade para um desenvolvimento econômico e social sustentável” – que reuniu o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Guilherme Mello; o secretário de Desenvolvimento Econômico de Maricá, Igor Sardinha; e a ativista dos direitos dos indígenas We’e’Ena Tikuna – trouxe reflexões sobre os exemplos que Maricá pode dar a outras cidades no caminho rumo a uma economia circular.

Respondendo a uma pergunta sobre o que a cidade tem a ensinar ao Brasil, Sardinha abriu o debate lembrando o passado recente: em 2008, Maricá era uma das muitas “cidades-dormitório”, de baixa atividade econômica, em que a maior parte dos moradores trabalhava fora e acabava por gastar seu dinheiro em outros municípios. Segundo ele, a implantação do programa Renda Básica de Cidadania – iniciada antes do recebimento dos recursos dos royalties  – foi a primeira medida a unir desenvolvimento e justiça, ao dar o poder de consumo à população socialmente vulnerável, e que passou a gerar demanda no comércio local com a moeda Mumbuca como pagamento dos benefícios.

“A partir dessa experiência, a cidade partiu para medidas de incentivo à atividade econômica, concedendo crédito facilitado aos pequenos empreendedores, fazendo a economia local girar e gerar empregos na cidade. Hoje, somos a terceira cidade com maior variação relativa na geração de postos de trabalho formais, porque temos um compromisso com o presente: não podemos prometer um futuro melhor e pedir às pessoas que aguentem o tranco até esse futuro chegar”, disse o secretário.

O professor Guilherme Mello apontou que Maricá é exemplo do efeito local e também sistêmico, por se espalhar pelo seu entorno, de uma política pública bem elaborada, citando a criação de moedas sociais por municípios vizinhos, e criticou a visão, segundo ele ainda amplamente dominante no Brasil, de que o estado deve ser apenas um distribuidor de recursos arrecadados via tributos.

“Essa posição está ultrapassada: o estado pode e deve também criar, inovar, investir, empreender dando melhor uso aos recursos que arrecada e alcançando as zonas cinzentas que os agentes privados evitam por temer o risco. É o caso do projeto de desenvolvimento dos ônibus movidos a energia limpa, que serão montados aqui e certamente chegarão a outros lugares do país, graças ao investimento público”, afirmou referindo-se a outro projeto pioneiro citado por Sardinha.

Mello lembrou, ainda, que o tamanho do desafio que se impõe exige o afastamento de qualquer pressão de ordem ideológica, pois, em sua visão, não podemos ficar presos a velhas fórmulas quando o setor público dispõe de instrumentos para induzir esse desenvolvimento, seja na alocação mais eficiente de recursos, na concessão de garantias a investidores, ou em melhores ações regulatórias.

“Podemos e devemos ser otimistas: o Brasil já conseguiu sair do mapa da fome e se tornar referência na proteção ao meio ambiente. Se conseguimos, podemos chegar lá de novo, desde que nos organizemos. Nosso problema não é a escassez, é a concentração de renda e riqueza, e essa é a realidade que precisamos mudar”, finalizou ele.

Para ativista pelos direitos dos indígenas, ensino da “verdadeira história” é urgente

Já a ativista indígena We’e’Ena Tikuna falou sobre sua experiência como empreendedora do ramo de moda e cobrou o ensino da “verdadeira história do Brasil”, na qual supostos heróis têm seu papel real na formação do país esmiuçado. Para ela, é um passo importante na superação dos preconceitos. “Nós, indígenas, aprendemos a língua portuguesa como forma de autodefesa, para que não sejamos mais tutelados pelos outros. O Brasil é o último lugar do mundo onde deveria haver preconceito, que aliás só fui saber o que era quando entrei numa escola na cidade. Esta é uma terra de miscigenação, onde nenhum preconceito deveria ser admitido”, disse ela.

Galvão

Galvão