Laguna de Araruama é tema de obras literárias
“A mesma velha praia, o mar sempre sereno / com suas águas calmas, que eu nadei tanto em pequeno / um cheiro de saudade impregnou a solidão / fazendo remoçar meu coração”, canta Victorino Carriço em “Voltei ao Baixo Grande”, canção inspirada nas memórias de infância do poeta às margens da Laguna de Araruama. No celebrado “Hino de Cabo Frio”, lá está a laguna de novo: “À esquerda um pescador afoito / na lagoa que parece um rio”. A Laguna de Araruama cintila não apenas nos versos de Carriço; está cada vez mais presente nos versos, na prosa e na produção científica da região.
Isso se dá através de livros de memória, ora contada em forma de história, ou em rimas, e até mesmo em livros divertidos para o público infantil. As primeiras anotações a respeito da laguna datam do período pré-colonial, por volta de 1503, quando o navegador Américo Vespúcio saiu em expedição, a mando da coroa portuguesa, com a missão de explorar as terras brasileiras. Segundo o livro “História de Cabo Frio – dos sambaquieiros aos cabo-frienses (c. 3.720 a. C. – 2020)”, lançado em 2019 pelos historiadores Luiz Guilherme Scaldaferri e José Francisco de Moura (Sophia Editora, 394 páginas), uma das possíveis passagens usadas por Vespúcio e sua comitiva para adentrar a região pode ter sido a Laguna de Araruama, que se liga ao mar através do Canal do Itajuru, em Cabo Frio, permitindo que a incursão seguisse viagem ao município de Arraial do Cabo, onde foram instaladas feitorias e iniciou-se a extração de pau-brasil para Portugal.
Mas, muito antes dos portugueses, já viviam por aqui os índios tupinambás e seus ancestrais milenares sambaquieiros, há cerca de 7 mil anos atrás. Pesquisas arqueológicas identificaram a presença humana ocupando boa parte do território em torno da laguna, da qual provinha a subsistência de habitantes que se alimentavam basicamente de peixes e crustáceos, destacam ainda Scaldaferri e Francisco de Moura. Em “Cabo Frio Revisitado – a memória regional pelas trilhas do contemporâneo”, obra organizada por Ivo Barreto e que compila dezenas de artigos científicos sobre a região (Sophia Editora, 432 páginas), o historiador Schneider Franco dos Santos conta que o alemão Luiz Lindemberg veio ao Brasil, a serviço de Dom Pedro I, para observar o grande potencial oferecido pela laguna. De acordo com o estudo, Lindemberg logo passou a empreender a exploração do sal, construindo a primeira salina artificial em 1823.
Na literatura, os encantos da laguna fizeram José Lins do Rego mudar o cenário típico de sua literatura regionalista: distante do seco e árido nordestino, característica nas tramas do escritor, “Água-mãe”, de 1941, navega na maré de águas claras e cristalinas.
No romance, o autor desnuda a rotina de um povo simples e trabalhador, remanescente da pesca e das salinas, e suas relações com esse ambiente cercado pela natureza. “Água-mãe” revela ao público a importância lagunar na vida do povo daquela época, e que se perpetua ainda hoje, além de relatar com profunda delicadeza paisagens dos tempos áureos em que imperava o comércio salineiro, como descrito logo no primeiro capítulo:
Escreveu José Lins do Rego: “O mar ficava além da restinga, mas a lagoa mansa estava ali a dois passos. (…) A lagoa falava baixinho, cantava mais que gemia (…) via-se a lagoa de lado a lado. Nos dias de enchente, quando a maré crescia, nas luas novas, a água verde subia até a figueira gigante, a espuma branca deixava os seus flocos alvos pelas raízes descobertas. A Araruama só nos dias de chuva entristecia, perdia as cores, mas quando o céu era azul, o verde de suas águas espelhava ao sol e uma vela branca de barco dava àquela tranquilidade de deserto uma palpitação de vida, agitando as coisas inanimadas”.
Para a escritora e bióloga Jaqueline Brum, a literatura é uma excelente ferramenta de difusão da informação e mensagem, seja de forma cientifica ou lúdica. “A literatura é a arte guardiã da língua portuguesa, da história, da cultura, das raízes de um povo”, salienta. Pensando nisso, escreveu em 2021 “Aventuras na Laguna” (Sophia Editora, 30 páginas). Trata-se de um livro de colorir, ilustrado por Felipe Freitas, em que as crianças são convidadas a refletir sobre os cuidados com a natureza e a conhecer mais sobre a história e os aspectos do ecossistema lagunar. A pequena Eloá, de apenas 8 anos, foi umas das leitoras conquistadas. “Achei o livro muito legal. Aprendi muitas coisas legais da laguna. Eu já fui lá com o meu pai e sei que tem siri, camarão e um monte de peixinhos, só que ela está suja, porque muita gente joga lixo lá, e não pode”, conta.
Já no recém-lançado “Eco-poesia” (2022), Jaqueline Brum reforça a motivação em propagar a urgência da preservação, como descreve no poema “Laguna de Araruama”.
(…)
Preciso expressar o meu amor
Por um lugar especial
E que é sem dúvidas,
Um patrimônio natural:
A Laguna de Araruama.
(…)
A laguna majestosa
Luta com resistência
Pra tentar vencer a morte
Com muita resiliência.
(…)
O homem explora suas riquezas
E lhe causa só tristeza.
Apesar de tudo,
Muitas espécies habitam nesse lugar.
O pescador que joga a rede
E insiste em arriscar,
Às vezes, consegue pescar
Perumbeba, carapeba e a tainha
Não podem faltar
E tem ainda o siri, o camarão
Que habitam nesse lugar.
Em um tempo já passado,
O seu sal era extraído.
(…)
E enormes montanhas branquinhas
Enfeitavam o caminho.
(…)
Já chega de descaso
E esgoto pra todo lado!
Nossa laguna merece respeito,
Carinho e cuidado!
O poema relembra o colapso da laguna sofrido no final dos anos 1990, em decorrência do boom da especulação imobiliária nas décadas de 1970 e 1980. A falta de tratamento dos efluentes despejados, como o esgoto in natura acelerou o processo de poluição e morte do maior corpo hídrico hipersalino em estado permanente do mundo.
“A carência da regularidade do abastecimento de água e do sistema de esgotamento sanitário impactou todos os setores que dependiam direta ou indiretamente da laguna, interferindo nas condições de balneabilidade, principalmente nas atividades econômicas da pesca e do turismo”, observa Eduardo Pimenta, biólogo e atual presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Lagos São João.
Em 1998, a Prolagos assumiu a concessão para a instalação de redes separadoras de esgoto. A partir de então, iniciou-se um longo plano de recuperação em prol da laguna, que contou com a união entre a população e os poderes público e privado. “Sem dúvidas, o maior impacto positivo foi o processo de privatização para consumo de água humano e tratamento dos efluentes, assim como os investimentos em reflorestamento, educação ambiental, o atual processo de dragagem, o aumento da rede separativa, o sistema tempo seco e a participação da sociedade ativa na fiscalização, pontos que contribuíram para o momento que estamos vivendo agora, alcançando uma taxa de 90% da balneabilidade nas praias lagunares, o que impulsiona a retomada das atividades pesqueiras, do turismo e da prática de esportes náuticos”, comenta o biólogo.
Outra grande conquista, segundo Pimenta, é a incidência de aves endêmicas, a exemplo do formigueiro do litoral, que só ocorre nos arredores da Laguna de Araruama, no trecho de Tucuns a Arraial do Cabo, ou seja, uma área restrita do território nacional e no contexto internacional. A laguna serve ainda de morada temporária para aves migratórias.
“No período de novembro a março, diversas aves setentrionais e meridionais fogem do inverno rigoroso de seus locais de origem, sejam nas Tundras, no extremo norte do Canadá e de outras regiões da América do Norte. Migram para o Brasil e acabam se refugiando na Laguna Araruama, bem como as aves do extremo sul do continente, os conhecidos Flamingos da Patagônia”, explica.
Alguns desses registros podem ser consultados em “Aves da Laguna Araruama” (2015, 77 páginas), de autoria do biólogo Eduardo Pimenta e do fotógrafo Antonio Angelo Marques, livro patrocinado pela Prolagos.
Essa representa somente uma dentre as inúmeras medidas adotadas pela concessionária, que atua há mais de 20 anos em cinco dos seis municípios da região banhados pela laguna. Desde sua implantação, a empresa investiu aproximadamente R$ 1,4 bilhão em saneamento básico, o que corresponde a um salto de 0 para 80,12% de todo esgoto coletado e 100% tratado, isso além dos projetos de responsabilidade social, que somados atingiram mais de 10 mil pessoas, segundo levantamento da Prolagos.
Ações de desenvolvimento de pesquisas e projetos incentivam a economia local, como constatou o projeto Imersão, uma parceria da concessionária com a Universidade Veiga de Almeida (campus Cabo Frio). “Desde 2021, o projeto monitora a saúde ambiental da laguna. A equipe é formada por professores e estudantes da universidade, que realizam periodicamente análises da água, relatórios técnicos, fotografias e observação da avifauna. No início desse ano verificamos que a cada emprego gerado pela laguna, mais quatro empregos são gerados indiretamente nas áreas de serviço. No total, a cadeia produtiva pesqueira da laguna de Araruama emprega mais de 7 mil pessoas”, relata Pimenta, que também coordena o projeto.
O programa de monitoramento foi implantado no começo de 2022 através de visitas, contatos e reuniões nos municípios e comunidades pesqueiras, dessa forma, o estímulo à educação ambiental e à conscientização comunitária torna os próprios cidadãos guardiões da laguna. Nesse sentido, o historiador Luiz Guilherme Scaldaferri vê a recente produção literária sobre a laguna como meio de regatar o sentimento de identidade cultural.
“A laguna é um patrimônio ambiental e social que nos confere uma identidade regional e, portanto, merece ser registrada e contada às futuras gerações. Sobretudo essa nova fase, em que ela volta ao seu estado mais natural, à vida”, ressalta.
Seja em prosa, verso ou produção científica, que no futuro próximo, novos capítulos ainda mais bonitos possam ser escritos na trajetória da Região dos Lagos, através da Laguna Araruama.
Folha dos Lagos