Policiais não estão por trás de evolução das milícias no Rio, diz ex-comandante do Bope
As milícias no Estado do Rio de Janeiro cresceram 387,3% nos últimos 16 anos. O Mapa da Criminalidade dos integrantes das organizações criminosas que usam o poder de polícia para tomarem conta de comunidades é do Instituto Fogo Cruzado em parceria com a Universidade Federal Fluminense. Entre 2006 e 2021, o domínio de expansão territorial dos milicianos passou de 52,6 km², o que equivale a 10% da região metropolitana do Rio. O território ocupado por policiais e por ex-policiais civis e militares corresponde a quase 2 vezes o tamanho da cidade de Niterói, ou seja, eles ocupam a 64 bairros de Copacabana, região boêmia da Zona Sul carioca. O levantamento sustenta ainda que o nível de expansão das milícias é muito maior que o crime organizado que já vem atuando nas comunidades. Hoje, segundo a polícia, as milícias estão diversificando o modo de trabalhar no ramo criminoso, partindo até para o narcotráfico.
Essa teoria virou prática comum entre os milicianos, como explica José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. “Os traficantes começaram a adotar também as mesmas estratégias dos milicianos em termos de cobrar serviços nas favelas e, ao mesmo tempo, muitos milicianos acabaram entrando, por que não, no lucrativo negócio do tráfico de drogas. Começam a acontecer algumas operações até em conjunto dessas facções”, diz José, que continua: “Os policiais que estão aqui hoje herdaram dessas quase duas décadas de expansão das milícias que foram crescendo. No início, toleradas, porque policiais militares, principalmente, mas também civis e do sistema penitenciário, acabaram criando uma suposta estrutura de defesa dos interesses da sociedade, começando no Rio das Pedras, nos anos 2000, e pareceu uma proteção dessas comunidades da pressão do tráfico, que sempre foi muito forte e muito presente. O que acontece é que essa tolerância acabou virando praticamente um incentivo para o crescimento de uma milícia para centenas que nós temos hoje”.
Atualmente, mais de 4,4 milhões de pessoas vivem em áreas dominadas por criminosos. Isso inclui o domínio de facções do Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e Amigos dos Amigos. O ex-capitão do BOPE, veterano Paulo Storani, criticou o estudo feito pelo Instituto Fogo Cruzado. Para ele, não existe policial ou ex-policial comandando milícia no Rio de Janeiro. “Hoje, o que nós temos, principalmente na Zona Oeste, são antigos traficantes que, quando as milícias passaram a dominar esse território, eles foram empregados pelas milícias, ascenderam na estrutura hierarquica das milícias e passaram a comandar elas. Há um grande equívoco sobre milícias sendo comandadas hoje por policiais ou por ex-policiais. A maioria foi presa ou acabou morrendo em enfrentamento entre eles”, disse Storani.
Ao contrário do que disse o ex-capitão o BOPE, de que não existe policial liderando milícia no Rio de Janeiro, José Vicente dá exemplos do modo de atuação dos homens que desviaram da conduta militar e partiram para o crime organizado. “Quero crer que isso representa uma minoria de policiais, mas é muito grave mesmo assim. Porque essa minoria se sente encorajada a esse tipo de ação, como o caso desse tenente que estava negociando com o Garça e com uma liderança miliciana da Zona Norte para fazer uma modulagem do policiamento. Existe muito interesse político nas milícias. Desde o começo das milícias, no Rio das Pedras, quando se incentivavam as pessoas a votar”, analisa o ex-secretário.
O estudo mostra ainda a estimativa do tamanho da população que vive em áreas comandadas por grupos milicianos. Mais de 1 milhão e 700 mil pessoas sob regime miliciano. Apenas na capital fluminense, são 74,2% de área dominada pelas milícias. De 3 a cada 4 grupos armados são de paramilitares. Recentemente, o ex-secretário da polícia civil do Rio Allan Turnowski foi preso por oficiais do Graeco. Segundo as investigações, ele é suspeito de ter recebido propina de bicheiros, participar de um plano para assassinar o bicheiro Rogério Andrade. O MP-RJ também investiga relações com milícias. O Mapa foi elaborado com base em 889.933 denúncias do portal Disque Denúncia que mencionavam milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021.
Jovem Pan